Justiça Fora dos Tribunais: Como a Lei de Arbitragem Cria Nova Carreira para Brasileiros com Ensino Médio
Promulgada em 1996, a Lei Nº 9.307 permite que qualquer cidadão capaz atue como árbitro. Agora, com a sobrecarga do Judiciário, ela ganha força e se consolida como alternativa à lentidão dos processos e uma surpreendente via de ascensão profissional.
Por Jardel Cassimiro, para a Revista Correio 101
BRASÍLIA, DF – Em um país onde o acesso à justiça é frequentemente associado a um labirinto de processos lentos, caros e complexos, uma revolução silenciosa, amparada por uma lei de quase três décadas, está democratizando a resolução de conflitos e, ao mesmo tempo, abrindo as portas de uma nova e respeitada carreira para milhares de brasileiros que não possuem diploma de ensino superior. Graças à Lei Nº 9.307, de 1996, conhecida como a Lei de Arbitragem, o papel de julgador não é mais um monopólio de juízes de direito.
A premissa, que para muitos ainda soa surpreendente, é clara e está cravada no artigo 13 da lei: "Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes". A redação é cirúrgica e transformadora. Ela não exige formação em Direito, não impõe a necessidade de um diploma universitário, nem mesmo de uma especialização formal. Ela pede duas qualidades fundamentais: capacidade civil e, o mais importante, a confiança daqueles que buscam uma solução para o seu litígio.
É com base nesse pilar que um novo mercado de trabalho está florescendo. Pessoas com apenas o Ensino Médio, mas com notório saber em áreas específicas – como mercado imobiliário, tecnologia da informação, agronegócio ou relações de consumo – estão se capacitando através de cursos de formação para se tornarem árbitros e mediadores. Eles estão conquistando não apenas uma nova fonte de renda, mas também um status de autoridade e respeito na resolução de disputas que antes se arrastariam por anos nos tribunais.
O Que é a Arbitragem e Por Que Ela Cresce?
Diferente do sistema judicial tradicional, a arbitragem é um método de resolução de conflitos privado. Nele, as partes envolvidas em uma disputa concordam, por meio de um contrato (a cláusula compromissória), em submeter seu problema a um ou mais árbitros, que são especialistas na matéria em questão. A decisão proferida por esse árbitro, chamada de sentença arbitral, tem a mesma força e validade de uma sentença judicial – ela não pode ser revisada em seu mérito pelo Judiciário e seu cumprimento é obrigatório.
A explosão na procura pela arbitragem se deve a uma combinação de fatores. O principal deles é a morosidade da Justiça estatal. Enquanto um processo comum pode levar, em média, de cinco a dez anos para ser concluído, um procedimento arbitral costuma ser resolvido em meses. Além da velocidade, outras vantagens são a especialização do julgador (um engenheiro pode arbitrar um conflito de construção, por exemplo) e a confidencialidade, que protege a imagem das empresas e pessoas envolvidas.
A Porta de Entrada: Capacitação e Confiança
Se a lei não exige um diploma, o mercado, por sua vez, exige competência. É aqui que entram os cursos de formação. Dezenas de Câmaras de Arbitragem e instituições de ensino em todo o país oferecem programas que preparam os candidatos para essa função. Nesses cursos, um cidadão com Ensino Médio aprende sobre os princípios legais da arbitragem, as técnicas de condução de uma audiência, os procedimentos formais e, crucialmente, sobre a ética e a imparcialidade que a função exige.
"O árbitro não precisa ser um bacharel em Direito, mas precisa dominar o rito arbitral e ser um profundo conhecedor do tema que está julgando. A confiança das partes é depositada nele por causa de sua expertise prática", explica Dr. Ricardo Alencar, jurista e diretor de uma câmara de mediação e arbitragem em São Paulo. "Vemos ex-gerentes de banco arbitrando disputas financeiras, corretores de imóveis experientes resolvendo litígios de locação, e programadores decidindo sobre quebras de contrato de software. A lei permitiu que o conhecimento prático fosse tão valorizado quanto o conhecimento acadêmico na hora de fazer justiça".
Para muitos, essa se tornou uma oportunidade de reinvenção profissional. Pessoas que construíram carreiras sólidas, mas que não tiveram a oportunidade de cursar uma faculdade, encontram na arbitragem uma forma de capitalizar décadas de experiência, transformando seu conhecimento em um serviço essencial para a sociedade.
A Lei Nº 9.307, portanto, faz mais do que desafogar o Poder Judiciário. Ela redefine o conceito de justiça, tornando-a mais ágil, especializada e, acima de tudo, acessível. Ao empoderar o cidadão comum com a capacidade de julgar, ela não apenas cria uma nova profissão, mas fortalece o tecido social, provando que a capacidade de discernir o certo do errado não é exclusividade dos doutores, mas uma virtude que pode ser exercida por qualquer pessoa capaz e de confiança.
JARDEL CASSIMIRO