Justiça Torna Hytalo Santos e Marido Réus por Conteúdo Pornográfico com Menores

Denúncia foi aceita por crime previsto no ECA; acusações mais graves, como tráfico de pessoas e exploração sexual, foram desmembradas e serão julgadas pela Vara Criminal de Bayeux, na Paraíba.

Por Jardel Cassimiro, para a Revista Correio 101

BAYEUX, Paraíba – Por trás das telas iluminadas dos smartphones, onde um império de milhões de seguidores foi construído sobre o espetáculo da vida cotidiana, um véu sombrio começa a ser descortinado pela Justiça. A saga de Hytalo Santos e seu marido, Israel Nata Vicente, o "Euro", que transformaram a ostentação e a convivência com um grupo de jovens em um fenômeno digital, entrou em seu capítulo mais grave e decisivo. Longe das mansões e dos carros de luxo, de dentro de uma cela no Presídio do Róger, na Paraíba, eles foram oficialmente notificados de que agora são réus, acusados formalmente de crimes que chocam pela sua natureza.

A decisão da 2ª Vara Mista de Bayeux, que acolheu a denúncia por produção de conteúdo pornográfico com crianças e adolescentes, é mais do que um trâmite processual; é a materialização de meses de investigação que miraram o que acontecia quando as câmeras eram desligadas — ou, como suspeita o Ministério Público, o que era gravado justamente para elas.

O caso Hytalo Santos é uma crônica de nosso tempo, um espelho das ambiguidades da era dos influenciadores. De um lado, um jovem que saiu da Paraíba e alcançou um estrelato vertiginoso, adotando um estilo de vida luxuoso e apadrinhando dezenas de outros jovens, a quem chamava de "filhos", oferecendo-lhes fama e oportunidades. Do outro, a suspeita de que essa relação era a fachada para uma rede de exploração, onde a vulnerabilidade era a moeda de troca por engajamento e visualizações.

Uma Batalha Judicial em Duas Frentes

A complexidade do abismo legal em que o casal se encontra foi detalhada na decisão do juiz Bruno Cesar Azevedo Isidro. O magistrado, ao analisar a robusta denúncia do Ministério Público, agiu com precisão técnica: aceitou a acusação referente ao artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tornando-os réus por este crime.

Contudo, as acusações não param aí. A promotoria também imputa ao casal crimes de uma gravidade ainda maior, previstos no Código Penal: tráfico de pessoas, exploração sexual e favorecimento da prostituição. Por entender que sua vara especializada não teria competência para julgar estes últimos, o juiz determinou o desmembramento do processo.

Na prática, isso significa que Hytalo e Euro enfrentarão uma guerra judicial em dois fronts distintos e simultâneos. Na Vara da Infância e Juventude, responderão pela suposta produção de conteúdo inadequado. Na Vara Criminal de Bayeux, para onde a outra parte do processo foi enviada, enfrentarão as acusações que evocam os piores contornos da exploração humana. É uma manobra que, ao mesmo tempo que organiza o processo, sublinha a amplitude e a seriedade das suspeitas que pairam sobre o casal.

O Fim da Inocência Digital

Enquanto a defesa se prepara para uma longa e desgastante batalha nos tribunais, o caso reverbera para muito além dos muros do presídio. Ele força uma discussão urgente sobre os limites da exposição nas redes sociais e a responsabilidade de quem produz conteúdo, especialmente quando menores de idade estão no centro do espetáculo.

A investigação, que culminou na prisão do casal em São Paulo em agosto e os mantém em detenção preventiva, se debruça sobre a fina linha que separa a criação de conteúdo da exploração. O que era entretenimento para milhões de seguidores pode ser, aos olhos da lei, um crime continuado.

A espiral descendente de Hytalo Santos, de ídolo digital a réu em um processo criminal de repercussão nacional, serve como um duro alerta. É um lembrete de que a fama, por mais avassaladora que seja no mundo virtual, não oferece imunidade no mundo real. E que a Justiça, ainda que em seu próprio ritmo, busca respostas para uma pergunta incômoda: qual é o preço da visibilidade quando a dignidade pode estar em jogo?