Operação Blasfêmia Desmantela Central de Telemarketing que Usava Fé para Movimentar Milhões

“Profeta Henrique Santini”, com 8 milhões de seguidores, é acusado de liderar esquema que cobrava PIX de fiéis por orações e milagres; áudios revelam drama de vítimas dispostas a doar mesmo sem ter comida em casa


Por Jardel Cassimiro, para a Revista Correio 101


RIO DE JANEIRO – “Deus mandou eu vir falar com você. Você vai fazer um sacrifício no altar de 24 reais, representando as 24 horas que eu vou ficar no monte”. A mensagem, carregada de um senso de urgência divina, era o ponto de partida para um sofisticado esquema de exploração da fé que foi desmantelado nesta quarta-feira (24) pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ).


A "Operação Blasfêmia" mirou uma central de telemarketing, localizada no coração de Niterói, que, segundo as investigações, funcionava como o motor de uma quadrilha que extorquia dinheiro de fiéis em troca de promessas de orações, curas e milagres. O grupo era supostamente chefiado por Luiz Henrique dos Santos Ferreira, mais conhecido nas redes sociais como "profeta Henrique Santini", um influenciador digital religioso que ostenta mais de oito milhões de seguidores.


As investigações revelam um modus operandi calculado para enganar e lucrar. Dezenas de vítimas, ao entrarem em contato em busca de amparo espiritual, acreditavam estar falando diretamente com o "profeta". Na realidade, eram atendidas por funcionários de um call center que se passavam por Santini, utilizando áudios previamente gravados pelo líder religioso. Nessas gravações, eram feitos apelos por contribuições financeiras via Pix, como a do "sacrifício" de R$ 24 para "a gasolina do monte".


O poder de manipulação do grupo fica evidente em áudios obtidos pelos investigadores. Em uma das mais comoventes gravações, um fiel, em desespero, revela a dimensão de sua crença e vulnerabilidade: "Não tenho nada na minha casa a não ser água e sal. Mas se Deus me abençoar, daqui para mais tarde eu faço um Pix, em nome do Senhor Jesus. Mas no momento estou sem nada".


Segundo a denúncia do MPRJ, o esquema movimentou cifras milionárias. Uma análise financeira identificou a movimentação de mais de R$ 3,3 milhões nas contas dos investigados em um período de apenas dois anos. Com base nessas evidências, a Justiça decretou o sequestro de bens e o bloqueio de contas bancárias de Luiz Henrique e de outras 22 pessoas denunciadas por participação na quadrilha. Empresas vinculadas ao grupo também foram alvo das medidas judiciais.


A investigação aponta ainda que os atendentes contratados para o telemarketing da fé não possuíam qualquer formação ou autoridade religiosa, sendo instruídos apenas a seguir um roteiro para convencer os fiéis a doarem. De forma ainda mais grave, a denúncia relata que ao menos sete adolescentes foram aliciados para trabalhar no esquema criminoso.


Luiz Henrique dos Santos Ferreira não foi preso, mas a Justiça determinou que ele passe a usar tornozeleira eletrônica. A operação expõe as entranhas de um negócio que, sob um manto de espiritualidade, escondia uma máquina de arrecadação financeira que se aproveitava da fé e da esperança de pessoas em momentos de fragilidade.

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