Demência por Corpos de Lewy: Navegando na Complexa Neblina da Mente

Uma análise aprofundada sobre a segunda demência degenerativa mais comum, que entrelaça sintomas cognitivos, motores e psicológicos, desafiando pacientes, cuidadores e a própria medicina.


Por Jardel Cassimiro, para a Revista Correio 101


Em um cenário onde o Alzheimer frequentemente domina as discussões sobre demência, uma outra condição, igualmente devastadora e notavelmente complexa, afeta milhões de vidas em silêncio. A Demência por Corpos de Lewy (DCL) é uma doença cerebral progressiva, a segunda causa mais comum de demência degenerativa após o Alzheimer, e representa um dos diagnósticos mais desafiadores da neurologia moderna. Caracterizada por uma tríade de sintomas que afetam a cognição, o movimento e o comportamento, a DCL mergulha seus portadores e suas famílias em uma jornada de incertezas e resiliência.

O cerne desta condição reside em depósitos anormais de uma proteína chamada alfa-sinucleína no cérebro. Agregados microscópicos, batizados de "corpos de Lewy" em homenagem ao neurologista Friedrich H. Lewy, que os descobriu no início do século XX, infiltram-se nos neurônios. Sua presença em áreas críticas do cérebro interrompe a comunicação neural, levando a um declínio gradual e inexorável das funções mentais e físicas.


A DCL, na verdade, é um termo que abrange duas condições relacionadas: a demência com corpos de Lewy e a demência da doença de Parkinson. A distinção reside crucialmente no tempo: se os sintomas cognitivos aparecem antes ou em até um ano do início dos problemas motores, o diagnóstico tende a ser demência com corpos de Lewy. Se os problemas motores da doença de Parkinson estão bem estabelecidos por mais de um ano antes do surgimento da demência, é classificada como demência da doença de Parkinson. No entanto, em ambos os casos, a patologia subjacente é a mesma, levando a um espectro de sintomas sobrepostos.

O Mosaico de Sintomas: Uma Doença de Flutuações

Diferentemente da perda de memória de curto prazo, que é a marca registrada inicial do Alzheimer, a DCL se manifesta de maneira mais multifacetada. Um dos sintomas mais distintivos e desconcertantes são as flutuações cognitivas. Pacientes podem apresentar variações drásticas no estado de alerta e atenção ao longo de um único dia, ou mesmo de horas. Em um momento, podem estar lúcidos e engajados em uma conversa; no outro, confusos, sonolentos ou olhando fixamente para o espaço, em um estado que se assemelha a um delírio.


As alucinações visuais recorrentes são outro pilar da DCL, ocorrendo em até 80% dos pacientes, muitas vezes nas fases iniciais. Tipicamente, são visões detalhadas e bem formadas de pessoas ou animais que não estão presentes. Embora possam ser angustiantes, nem sempre são assustadoras para o paciente, que por vezes reconhece sua natureza irreal.

Completando a tríade de características centrais estão os sintomas motores do parkinsonismo. Lentidão de movimentos (bradicinesia), rigidez muscular, tremores em repouso e problemas de equilíbrio e marcha são comuns, aumentando significativamente o risco de quedas e a perda de autonomia.

Além desses sintomas cardeais, a DCL frequentemente acarreta um distúrbio do sono conhecido como Transtorno Comportamental do Sono REM, no qual os indivíduos "atuam" fisicamente seus sonhos, com movimentos bruscos, falas e até mesmo quedas da cama. Este sintoma pode preceder o diagnóstico de demência em anos, servindo como um importante sinal de alerta precoce. Alterações de humor, como depressão e ansiedade, e disfunção do sistema nervoso autônomo, que pode causar tonturas e desmaios, também são comuns.


O Desafio Diagnóstico e a Jornada do Cuidado

O diagnóstico da DCL é notoriamente complexo. A sobreposição de sintomas com o Alzheimer e o Parkinson leva frequentemente a diagnósticos incorretos ou tardios. Segundo a Associação de Demência por Corpos de Lewy (LBDA), quase 80% dos pacientes recebem inicialmente um diagnóstico diferente. Não existe um teste único e definitivo para a DCL em vida; o diagnóstico é clínico, baseado na análise cuidadosa do padrão de sintomas por um neurologista experiente. Exames de imagem cerebral, como a ressonância magnética, podem ajudar a descartar outras causas, e exames mais específicos, como o DaTSCAN (SPECT), podem detectar a perda de células de dopamina, apoiando o diagnóstico.

Para os cuidadores, a jornada é um teste de resistência física e emocional. A natureza flutuante da cognição e os comportamentos imprevisíveis, como alucinações e delírios, tornam o cuidado particularmente estressante. A necessidade de vigilância constante para prevenir quedas e gerenciar uma gama complexa de medicamentos adiciona uma camada extra de dificuldade.


"É como viver com duas pessoas diferentes", relata uma esposa cujo marido foi diagnosticado há quatro anos. "Há dias em que tenho vislumbres do homem com quem me casei, e horas depois, ele está perdido em um mundo que não consigo alcançar. A imprevisibilidade é o mais difícil."

O tratamento atual foca no alívio dos sintomas. Medicamentos inibidores da colinesterase, usados para o Alzheimer, podem ajudar a melhorar os sintomas cognitivos e as alucinações. Para os sintomas motores, a Levodopa, principal medicamento para Parkinson, pode ser utilizada, mas com extrema cautela, pois pode agravar as alucinações e a confusão em alguns pacientes. Uma característica perigosa da DCL é a sensibilidade severa a medicamentos antipsicóticos, que podem causar reações graves e até fatais.


Horizontes da Pesquisa: Em Busca de Clareza e Cura

Apesar dos desafios, a comunidade científica avança na compreensão da DCL. A pesquisa está focada em identificar biomarcadores — como proteínas no sangue ou no líquido cefalorraquidiano — que possam levar a um diagnóstico mais precoce e preciso. Recentemente, testes que analisam amostras de pele para detectar a alfa-sinucleína anormal surgiram como uma ferramenta promissora.

No front terapêutico, diversos ensaios clínicos estão em andamento, explorando medicamentos que visam a própria alfa-sinucleína, na esperança de impedir sua agregação ou facilitar sua remoção do cérebro. Fármacos como o neflamapimod e o CT1812 estão sendo investigados por seu potencial em melhorar a cognição e a função motora.

A Demência por Corpos de Lewy permanece uma doença formidável, que tece uma teia de desafios neurológicos e psicológicos. Aumentar a conscientização entre o público e a comunidade médica é crucial para garantir que os pacientes recebam um diagnóstico mais rápido e um plano de cuidados adequado. Enquanto a busca por uma cura continua, o apoio dedicado a pacientes e seus cuidadores incansáveis ilumina o caminho, oferecendo esperança e dignidade diante de uma das mais intrincadas neblinas da mente.

Recentemente Milton Nascimento, que está com 82 anos, recebeu o diagnóstico de demência por corpos de Lewy (DCL). A informação é de seu filho, o empresário Augusto Nascimento, que em entrevista à Revista Piauí, descreveu uma viagem ao lado do pai depois da qual o cantor teria recebido o diagnóstico.

Depois de um primeiro semestre atarefado em 2025, em que Milton foi homenageado pela escola de samba Portela e viu ser lançado um documentário sobre sua última turnê, Augusto afirma que o artista passava a viver episódios de falta de memória.

Segundo ele, Milton costumava passar horas contando diferentes histórias de sua vida, mas passava a se repetir em muitas delas em questão de poucos minutos. Em março, em entrevista ao Jornal Nacional, Augusto já havia revelado que o pai lidava com a doença de Parkinson há dois anos.

Em abril, o clínico geral do cantor, Weverton Siqueira, começou a testar Milton para verificar domínios cognitivos como a atenção, a capacidade de cálculo, a orientação pelo espaço e a fala. Foi a primeira vez em dez anos, nas palavras de Augusto, que o médico se assustou com o estado do músico.

Segundo o filho, foi ali que lhe ocorreu a ideia de viajar com o pai. "Quando vi que o meu pai apresentava uma piora brusca no quadro cognitivo, perguntei ao médico se seria uma loucura fazer uma viagem de motorhome com ele pelos Estados Unidos", disse Augusto ao veículo.

Siqueira aprovou a ideia e em 7 de maio Milton e Augusto embarcaram para Dallas, no Texas. A viagem então seguiu para Phoenix, no Arizona, onde os dois alugaram um motorhome. Eles permaneciam no veículo durante o dia e dormiam em Airbnbs pela noite. Foram 4 mil km percorridos em 17 dias. "Meu pai contava para todo mundo como se tivesse sido a melhor coisa da vida dele", afirmou Augusto à revista.

Poucas semanas depois da viagem, Milton recebeu o novo diagnóstico de seu médico. A demência por corpos de Lewy (DCL) é o terceiro tipo mais comum de demência e resulta da degeneração e morte de células nervosas no cérebro. A deterioração dessas células acontece quando as mesmas apresentam um depósito anormal de proteínas conhecidas como "corpos de Lewy".

Next Post Previous Post
No Comment
Add Comment
comment url